
Actuação do Grupo de Cantares Tradicionais
Setembro 24, 2021
Património judaico
Setembro 27, 2021
Actuação do Grupo de Cantares Tradicionais
Setembro 24, 2021
Património judaico
Setembro 27, 2021O Adufe é um instrumento musical de percussão tradicional, bimembranofone, de forma quadrangular (ou triangular, mais raro), ornamentado com fitas coloridas nos cantos, cuja identidade e singularidade emana da Tradição Oral das cantigas, das danças e do toque do adufe na zona interior fronteiriça de Portugal, principalmente na Beira Baixa, onde, em Idanha-a-Nova é símbolo do território.
Os processos culturais a que a região interior de Portugal, esteve sujeita, fizeram com que se desse uma cristalização de algumas tradições medievais no interior do país, onde se insere o adufe, partilhado com a vizinha Espanha na mancha de distribuição raiana, a que se juntam as regiões da Galiza, Astúrias e Catalunha.
Se por um lado a sua tradição e contexto o distinguem de todos os outros instrumentos, as práticas das cantigas e do toque do adufe, evidenciam uma ligação a uma família de instrumentos que podemos encontrar em diversas culturas e povos, os frame drums, como por exemplo: a pandeireta, o pandeiro mirandês, pandero de Peñaparda, tammorra, tamborello, duff, tar, bendir, daff, tof miriam, o tambor xamânico, o riqq, o bodhrán, entre outros.
As suas origens perdem-se no tempo, havendo representações na Antiguidade Pré-Clássica na Mesopotâmia, até chegar à Península Ibérica, possivelmente no início da Idade Média, assumindo-se como um instrumento de uso erudito, popular, feminino e transversal a domínios políticos e religiosos.
A raiz da palavra e a origem do instrumento têm sido recorrentemente confundidas. O termo adufe tem origem na assimilação da expressão árabe al-duff (o tambor), mas a origem da palavra não torna evidente que tenham sido os árabes a introduzir o instrumento. A Arqueologia e a História mostram-nos uma incrível dinâmica de circulação de pessoas, bens, cultura e música no contexto mediterrânico, mas, em boa verdade, não há provas irrefutáveis que sustentem que os árabes o trouxeram no século VIII.
As referências e representações de instrumentos quadrados encontram-se nos túmulos egípcios, nos pórticos de catedrais e igrejas na Península Ibérica, bíblias medievais e haggadah judaicos, azulejos, pinturas, livros e esculturas. O Vaso de Tavira, peça em cerâmica, é até ao momento a mais antiga iconografia islâmica do adufe na Península Ibérica. No bordo do vaso podem observar-se várias figuras: animais, guerreiros e músicos, um dos quais a tocar adufe.
Por todo o mundo, desde tempos antigos, os frame drums acompanham a voz e a dança. Em Portugal, as cantigas de adufe caracterizam-se por uma melodia estrófica cantada em uníssono. Os adufes, também em uníssono, acompanham o canto, através da repetição. A cantiga é ritmada em harmonia de grupo, que advém da experiência de cantar em conjunto, encontrando-se muito próxima das ancestrais práticas mediterrânicas de melodia e ritmo aprendidas por via oral.
Num grupo de adufeiras todas percutem o mesmo ritmo e cantam a mesma melodia, que se repete em todas as estrofes. Um padrão repetitivo que nos remete para práticas ancestrais, relacionadas com a fertilidade, com a cura ou com a adoração. Esta dimensão religiosa e espiritual está presente nas romarias e na devoção.
O universo das cantigas e o toque do adufe é riquíssimo: uma adufeira sente, toca, move o adufe e canta de forma completamente diferente de outra adufeira. Da mesma forma que as cantigas e as letras variam de aldeia para aldeia. A mesma melodia pode receber quadras diferentes consoante o lugar onde é cantada.
Enquanto instrumento, o adufe é construído da seguinte forma: as samarras (peles de cabra ou ovelha) são cosidas à volta das armas (caixilho de madeira), enfeitam-se os cantos com maravalhas (fitas coloridas) e pode ou não ser colocada uma fita de cetim colorida por cima da costura. No interior do adufe são colocadas soalhas: sementes, pedras, cápsulas de garrafas, bordões e guizos.
Em Idanha, há artesãos de adufes activos como José Relvas, Fátima Silva (Adufartes) e a Oficina de Artes Tradicionais, do Município de Idanha-a-Nova. No concelho de Penamacor, em Salvador, Armando Vinagre é o último construtor de adufes em actividade naquele concelho.
Numa perspectiva nacional, o Adufe tem ocupado o seu lugar como um instrumento apreciado, valorizado e tocado por inúmeras artistas e grupos (Adufe em Lisboa, Adufeiras do Porto, Adufe e Alguidar, Cramol, Segue-me à Capela). No plano artístico e de formação destacam-se Sebastião Antunes, Rui Vaz (Gaiteiros de Lisboa) e Rui Silva. Este último, percussionista e artesão, tem introduzido inovações ao nível da construção, procurando mais qualidade sonora, versatilidade e fiabilidade, enquanto instrumento de percussão. Rui Silva introduziu o conceito de “Adufe Moderno”, tendo introduzido novas técnicas de execução, um inovador método de ensino do adufe e trabalho directo com compositores na criação de repertório erudito.
Idanha-a-Nova é um dos pilares da tradição do adufe. Praticamente, todas as freguesias têm um grupo de adufeiras ou um rancho folclórico onde os adufes estão presentes. As avós tocam com as filhas e com as netas, o toque do adufe e o seu repertório estão bem vivos!
Bibliografia
DIAS, Ana Carina – “O adufe: o contexto histórico e musicológico” (tese de mestrado, 2011)
MOLINA, Mauricio – “Frame Drums in the Medieval Iberian Peninsula” (2010); dissertação (2006)
SILVA, Rui – “Al-duff: bases para a aplicação das técnicas de frame drums mediterrânicos ao adufe, séc. XXI adentro.” Barcelona, 2012. Tese de mestrado ESMUC/UAB.
https://adufes.com/website/o-que-e-um-adufe/